Transformação digital e jornada de dados: o que falta para a maturidade das empresas

Mesmo com farta tecnologia à disposição, companhias ainda passam longe de fazer bom uso do modelo de negócios baseado em dados, e um dos mais experientes consultores em inovação da América Latina explica por que isso acontece - e como pode mudar.

“Dados são o novo petróleo”, é uma das frases mais faladas no mercado atualmente. Porém, Luis Lobão afirma logo de cara que fazemos uso muito incipiente desse recurso, e consequentemente, a maioria das iniciativas que faz algum uso deles atinge resultados pífios.

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Lobão é professor de Estratégia e Governança da HSM Educação Corporativa (Brasil) e também atua como conselheiro de diversas empresas de grande porte. Já tratava de transformação digital quando essa expressão não era parte do vocabulário corrente do universo corporativo. E é com a expertise desenvolvida em anos de atuação no setor que ele diz que ainda estamos distantes da maturidade na jornada de dados.

Nessa entrevista exclusiva ao blog da Orange Business, Luis Lobão explica por que o problema não é a falta de investimentos, e sim o mau direcionamento dos mesmos. Para aproveitar plenamente o modelo de dados, defende o consultor, é necessário um equilíbrio entre tecnologia, pessoas e processos. A equação é menos simples do que aparenta, mas sua resolução é possível e necessária.

Luis Lobão

Lobão é professor de Estratégia e Governança da HSM Educação Corporativa (Brasil) e também atua como conselheiro de diversas empresas de grande porte.

Orange Business: A jornada de dados já é uma realidade. As empresas estão aproveitando esse potencial de modo geral, ou ainda falta maturidade ao mercado latino-americano para explorar esse modelo de negócio?

Luis Lobão: É um uso imaturo, sim. Dados são o novo petróleo: se tornaram o termo da moda, uma conversa legal, mas a cultura de dados é pouca e o mindset dos líderes para tomar decisões a partir de prática de analytics é muito estreito. As poucas empresas que estão despontando se valem de dados no desenho de produto, na estratégia de go-to market, mas o processo ainda é muito incipiente no geral. Quando vamos para os dados de uma maneira prescritiva – ou seja, com modelo de algoritmos, engenharia de dados como vetor estratégico das organizações – o ambiente ainda é muito reduzido. Ou seja: existem exemplos feitos pontualmente, mas a jornada de dados ainda não é natural para a maioria das empresas.

Orange Business: O que a mantém engessada nesse estado?

Luis Lobão: Nossa cultura nunca prestigiou muito os dados. Podemos implantar BIs (Business Intelligence), mas acabamos fazendo reuniões sem dados; implantamos CRM, mas seguimos orientados aos processos e não ao cliente. É algo que as lideranças de nível intermediário e alto não costumam se preocupar. E ainda temos uma forte utilização de ERP, na qual os dados não estão organizados para gerar informações relevantes. É uma cultura de Excel que está muito presente no dia a dia.

Orange Business: O modelo de dados é todo voltado para facilitar ações estratégicas e para atender a experiência do usuário. Em tese, os benefícios são evidentes. Porém, como você disse, nossa cultura ainda é imatura nesse sentido. Que outros fatores dificultam a adoção desse modelo?

Luis Lobão: Temos dificuldade em entender o que significa isso tudo. Experiência do usuário é uma jornada sem atrito e personalizada. Estou cansado de receber mensagens de empresas que querem me vender cursos para me tornar palestrante. A empresa que comercializa isso sequer consegue acessar meus perfis no Instagram ou no LinkedIn para ver que já sou palestrante! As formas de contato e comunicação não estão alinhadas aos produtos e interesses que o cliente está pesquisando. Claro, há casos de empresas que fazem isso muito bem, mas elas são nativas digitais. O primeiro passo para as demais empresas é entender o que é cultura centrada no cliente: sem atrito, personalizada na comunicação, com integração entre canais e que leva ao sucesso do cliente – ou seja, resolva o problema dele. Na prática, isso quer dizer que o cliente tem a possibilidade de desenhar a jornada dele como bem entender: ele pode começar a busca pelo produto em uma rede social e depois ir para outro canal, pode comprar online para retirar na loja física ou vice-versa... Esse é o verdadeiro omnichannel, quando todos os canais estão integrados. Vi pessoalmente em uma feira da NRF (National Retail Federation, maior associação comercial do mundo) que há empresas de varejo cujos aplicativos escaneiam seu corpo e tiram suas medidas, e quando você vai para o site, só recebe ofertas de produtos que estão de acordo com seu corpo. Porque se quero comprar um item e não tem meu número disponível, isso é atrito.

Orange Business: Qual é o elemento que requer maior atenção no modelo data driven: as pessoas, os processos ou a tecnologia?

Luis Lobão: Os três têm peso igual. Se há tecnologia e pessoas sem processos, ocorre um caos automatizado. Se existe tecnologia e processos sem pessoas, provavelmente vou ter alienação, ou pessoas que não estão motivadas. E se eu tiver processos e pessoas sem tecnologia, potencialmente a produtividade será baixa. O ponto ótimo é o que traz equilíbrio entre os três. A tecnologia é sedutora por si só, sempre foi. Quem adota uma nova tecnologia mas não muda o mindset tem resultados pífios, pois não incorporaram a inovação ao modelo de negócios. Investir na tecnologia é fácil. Mas por que comprar um carro de fórmula 1 se tenho um piloto de kart? Não vejo por que gastar tanto dinheiro com tecnologia se não existe disposição em investir nas pessoas. Porém, a maioria das empresas acredita que investir nas pessoas é jogar dinheiro fora e gasta adquirindo tecnologias que serão subaproveitadas por falta de pessoas capacitadas.

Orange Business: Só vamos conseguir dimensionar o impacto dessa pandemia com a perspectiva proporcionada pela passagem do tempo. Ainda assim, já é possível tirar lições desse 2020 tão atípico que ajudem a refletir sobre a relação entre empresas e inovação?

Luis Lobão: Antes a transformação digital era um tema de discussão, “o omnichannel vem aí”, mas ninguém apostava nisso de verdade. Na pandemia, as lojas físicas fecharam, e aí ou a venda era digital ou simplesmente não aconteceria. Para isso, foi preciso ter plataforma, meios de pagamento, delivery, sistemas de home office, videoconferência... Todos tiveram que fazer a lição de casa por necessidade, e não convencimento. Esse é o grande legado da pandemia, e não acho isso ruim. E ainda há outras coisas que estão entrando na pauta. O roubo de dados agora é uma preocupação constante, as regulações para a cibersegurança também. E mesmo outros processos: em outra empresa na qual sou conselheiro, tínhamos uma conta de viagens de 27 milhões por ano e que está praticamente zerada em 2020. Mesmo assim, fazemos negócios praticamente da mesma forma que fazíamos em 2019. Não digo que permaneceremos em zero quando tudo isso passar, mas certamente não voltaremos aos 27 milhões. Reflexões como essa também são parte desse legado.

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