Arrogância, luto e aceitação: a comunicação das lideranças na era do home office

Claudia Cotes, doutora em linguística, é direta; a comunicação piorou no pós-pandemia. E o resgate da colaboração entre gestor e equipe não é só importante, como também necessário para o futuro dos negócios.

A qualidade de nossa comunicação piorou com a pandemia do coronavírus. Não se trata de uma opinião, mas da avaliação técnica de quem tem propriedade para tal: Claudia Cotes, doutora em Linguística, mestre em Fonoaudiologia e graduada em Letras, que acumula 30 anos de carreira - parte deles dedicada ao universo corporativo, com treinamentos, palestras e cursos. A boa notícia está nas perspectivas. "O ambiente da empresa, com todos vestidos de maneira formal, fazia as pessoas agirem de forma mascarada. Estar em casa nos deixa mais à vontade e faz com que tenhamos uma linguagem mais genuína."

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Segundo a especialista, há dois tipos de lideranças claramente perceptíveis nos dias atuais: o que se adaptou ao cenário e o que vive uma espécie de luto. Em ambos os casos, o reflexo na comunicação e, consequentemente nos negócios, é direto.

Claudia tem-se dedicado a entender as necessidades que vieram a reboque da covid-19 e os novos meios pelos quais interagimos - quase que, exclusivamente, por ferramentas de colaboração. Um erro que as lideranças geralmente cometem na comunicação com a equipe? A arrogância - artifício, segundo Claudia, que tenta maquiar a insegurança. Saiba mais na entrevista a seguir.

Claudia Cotes

Claudia Cotes, doutora em Linguística, mestre em Fonoaudiologia e graduada em Letras, que acumula 30 anos de carreira - parte deles dedicada ao universo corporativo, com treinamentos, palestras e cursos.

Orange Business: Antes de entrarmos em detalhes, queria que você começasse conceituando o que é comunicação.

Claudia Cotes: Comunicar é construir percepção. E isso envolve muitos aspectos, como a escolha de vocabulário, o conhecimento constituído, a visão do mundo, tudo que envolve a palavra. Temos a comunicação verbal, que ocorre por meio da voz, e aí entra a importância que você dá para cada som, cada sílaba. Tudo tem um grande significado. Temos a comunicação não-verbal, que diz respeito à postura, corpo, gestos. Quando se vê todo esse conjunto, podemos entender a comunicação como a identidade da pessoa. A fala é social, todo posicionamento tem uma intenção. Porém, somos sempre cercados de regras sobre o que eu posso ou não falar, o que eu devo ou não dizer, ou mesmo sobre o que quero ou não me expressar. Muitas vezes, essas regras atrapalham nosso fluxo de autenticidade, aumentando a distância entre o que penso e o que efetivamente coloco para fora.

Orange Business: E essa construção varia muito de uma cultura para outra?

Claudia Cotes: A comunicação faz uso de uma linguagem interna, da minha visão sobre as coisas, mas ela é também moldada pelo social. Assim, a comunicação não é apenas uma construção cultural, mas sim, é muito diferente entre as culturas. Com base nisso, podemos dizer que a comunicação atual é muito ruim. Desde que a pandemia começou, está uma grande confusão, vemos palavras agressivas ou duvidosas sendo empregadas com frequência, e isso em vários segmentos da sociedade. O resultado disso é a falta de credibilidade, a não-colaboração. A pandemia nos pegou de surpresa, e por conta da nossa saúde, começamos a usar muito o cérebro primitivo. Ele é o cérebro que reage para a sobrevivência, lidando com o medo, incerteza e insegurança. Nesse caso, ficamos muito focados no sistema límbico, que é o centro de nossas emoções. Nossa linguagem precisa então ser simples, afetiva, porque temos medo de adoecer, de morrer. Mas vemos brigas, incertezas e isso causa uma extrema confusão. A partir daí, cada um começa a projetar aquilo que sente, e a confusão se transforma em agressividade.

Orange Business: Ferramentas de comunicação não nos faltam, mas comunicar-nos bem ainda é um desafio, especialmente no ambiente de trabalho. Por que isso acontece?

Claudia Cotes: Porque comunicar bem envolve estratégia. Não é só chegar na frente da câmera e falar bonito. Você tem que ter a linguagem estratégica combinada com a ação. Entre meus clientes há líderes que estão sensibilizados com o momento atual e estão estudando a comunicação. Adaptar-se ao momento é questão de sobrevivência, e para isso cada um precisa colocar limites para si mesmo, descobrir novas formas de se comunicar. Não dá para ficar o dia inteiro em reunião, é preciso ser multiplataforma: usar o WhatsApp por uma hora, depois um aplicativo de videoconferência pelo mesmo tempo, depois focar no e-mail... Com isso, o cérebro consegue se organizar melhor. E não são só os líderes que precisam se adequar, pois acredito que essa grande presença da comunicação online é um caminho sem volta.

Orange Business: Quais os aspectos que definem a linguagem de liderança? Faz sentido dizer que alguém “fala como um líder”, ou isso é uma falácia?

Claudia Cotes: Para chegar onde chegou, o líder precisa ter algumas características, entre elas raciocínio rápido e boas habilidades de comunicação. Ainda assim, a liderança pode ser comparada com os esportes: exige que você pratique diariamente, exercite as habilidades e fundamentos, tenha disciplina. O líder precisa saber usar a comunicação de forma clara e sincera, sem essa coisa marcial de ficar mandando ou julgando. A liderança que tem essa comunicação mais humanizada, vai ter uma equipe que trabalha melhor, porque vai poder contar com a lealdade das pessoas. Neste momento de adaptação à liderança remota, vejo dois tipos majoritários de líder: o que realmente se adaptou e aquele que está focado só na dificuldade que a pandemia trouxe. Esse último está vivendo o luto ou está em negação, enquanto o primeiro está menos defensivo, já entendeu a necessidade de melhorar e está buscando caminhos para tanto. Isso se espelha na comunicação: o gestor que está focado apenas na dificuldade financeira e no fracasso provavelmente não vai sair do lugar nem integrar a equipe. Por outro lado, o que está aprendendo a ser resiliente e a se reinventar vai trazer coisas boas.

Orange Business: Claudia, você tem décadas de experiência no treinamento de comunicação de lideranças, então, já viu bastante coisa, né? Quais os erros de comunicação mais comuns das lideranças?

Claudia Cotes: O maior de todos é a arrogância. Ela sempre esconde um fundo de insegurança. Esse medo leva a ações não humanizadas, e faz com que o líder perca a colaboração. A arrogância e o medo são erros fatais. A verdadeira liderança compartilha conhecimento, é uma pessoa que não para de crescer e de aprender, e também faz o colaborador passar pelo mesmo processo.

Orange Business: Em quais aspectos os gestores mais pecam na hora de estimular a comunicação entre os integrantes da equipe?

Claudia Cotes: Os grandes erros são os de estratégias de linguagem. Uma fala precisa funcionar como uma flecha: abrir a boca para falar e a mensagem atingir o alvo. Mas nem sempre o que é dito é o que o outro entende. É preciso estabelecer objetivos claros: isso está decidido, isso pode ser negociável. Porém, muitas vezes os líderes ficam com comunicações muito abstratas e o colaborador não sabe aonde ele quer chegar. O bacana é estimular a objetividade e a afetividade: as pessoas precisam ser acolhidas. Eu não preciso de um líder ditatorial, ainda mais em um momento difícil. Quando quem está na frente se coloca no lugar do colaborador, e não acima dele, com afetividade e autenticidade, o colaborador vai se engajar.

Orange Business: Como o trabalho remoto impactou na comunicação entre os líderes e seus colaboradores? O que melhorou e o que ficou mais sensível?

Claudia Cotes: Quando a gente nasce, precisa confiar em líderes. A gente sempre busca referências que transmitem os valores, os conceitos. À medida em que não tenho confiança em alguma liderança, já tenho um grande problema de comunicação, porque ela é feita por meio de vínculos afetivos. A base é o olho-no-olho, no qual você estabelece em milissegundos a confiança e o respeito. Se você não tem isso, não tem nada. Atualmente nossa comunicação está muito reduzida à face: perdemos o não-verbal, a roupa, e nosso cérebro não foi preparado para não captar tantos detalhes. Ficamos restritos ao estímulo de um enquadramento pequeno. Isso gera cansaço em nosso cérebro. Para funcionar, a comunicação online tem que passar por uma adaptação: precisa tomar menos tempo, pois não estamos preparados para tanta falta do não verbal. Precisa ser mais simples para se tornar mais clara. E mais honesta e afetiva, porque estamos todos passando por momentos difíceis, inclusive tendo que equilibrar nossa saúde mental e emocional todos os dias.

Orange Business: O que mais pode ser feito para aprimorar a comunicação na era do home office, especialmente considerando que ela ocorre, majoritariamente, por meio de ferramentas de colaboração?

Claudia Cotes: A primeira coisa é trabalhar limites, da hora em que que se acorda até a hora de dormir. Isso ajuda muito a saúde mental. Ter reuniões mais curtas, palavras mais objetivas. Outra coisa é usar diferentes tipos de comunicação, como expliquei anteriormente. Estamos fazendo essa entrevista por uma chamada de áudio – imagina se fosse uma conversa de três horas? Já teríamos esquecido todo o começo (risos). Outra coisa importante de se levar em conta é que o ambiente da empresa, com todos vestidos de maneira formal, fazia as pessoas agirem de forma mascarada. Estar em casa nos deixa mais à vontade e faz com que tenhamos uma linguagem mais genuína.

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